24 março 2007

Enquanto isso...

Enquanto nasce o sol, há um desconforto nas pupilas que se adaptam e aos poucos se preparam para ver a luz. Fica para tras a cegueira de uma noite escura e vem o dia. E vem o dia. Já não há mais a possibilidade doconforto, este que só é permitido àqueles que se entregam ao mundo tal como ele é e que, portanto, já estão definitivamente cegos à espera de um braço, um cão guia, alguém que os ajude a sobreviver na escuridão, alguém que lhes ensine os degraus, que os proteja das quinas, que os freie à beira de semáforos fechados. Estes cegos precisam de alguém que possa contribuir com sua fragilidade quase infantil. Alguém que contribua, que conforte. Felizes são aqueles que não têm conforto, porque a paz de espirito é deveras confortável e estagnante. A inquietação é necessária, assim como é necessário retirar as vendas e enfrentar a luz com as pupilas dilatadas - é importante lembrar que a luz em excesso é tão prejudicial quanto a cegueira: o mau uso de uma arma pode matar aquele que a opera. - É permitido o desconforto para que o contato com a luz faça da busca do conforto um objetivo constante, mas o importante é nunca encontrá-lo, é deixar que ele se esconda diante do olhos para sempre poder procurá-lo, afinal, aqueles que se permitem o desconforto sabem exatamente onde está oconforto e, por isso mesmo, é que não se deixam contaminar por ele. O conforto é pobre. E então as pessoas um dia se dão conta de que o melhor é a condição masoquista à qual se expõem em algumas fases da vida. É preciso desconfortar-se e encontrar algum prazer no desconforto, libertar-se das amarras e das vendas. Só é verdadeiramente livre aquele que pode caminhar e tropeçar, cair e se levantar, coçar os olhos incomodados pela luz, cair, rastejar, ralar os joelhos, levantar e tocar seu caminho desconfortavelmente livre, enquanto nasce o sol.

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