12 março 2011

Queria ser grande

"Queria ser grande", pensava o garotinho enquanto andava tropicando nos caminhos, arrastando os pés com as sandálias que se prendiam a seus pezinhos por elásticos. Uma mão segurava aquela caixinha com uma bebida de morango que ele vinha tomando e que era o mais importante que ele conseguia ver naquele momento. A outra mão estava dada à da avó, que o conduzia apressada à casa, pois ainda havia muito a ser feito. Ele não tinha essa noção... não sabia que ser grande lhe tiraria muitas das liberdades, liberdades estas que ele nem sabia que possuia. Não sabia, pobrezinho, que ser grande era exatamente sempre ter muita coisa por fazer. Não sabia que ele jamais encontraria tempo para andar despreocupado de chinelos e regata na rua, preocupado com sua bebida, ou mesmo pensando: como será que ela teria ido parar lá dentro? Será que foi pelo buraquinho que faço quando coloco o canudo? E nesse momento ele até se esquecia da bebida... havia uns desenhos bonitos na caixinha, coloridos! Como era divertida aquela caixinha! cheia de letras e informações nutricionais que só eram importantes para quem era grande. A ele, bastava a caixinha, já que ele esquecera da bebida há muito tempo... "você vai derramar!" dizia a avó, e ele, como que despertado de um grande devaneio, lembrava-se do gosto de morango e se punha novamente a sugar o canudo, um pouco irritado por ter que obedecer a ordem subentendida da avó, mas que ele entendia muito bem. Ah, mas era tão estranho aquilo... por que nem sempre estava passando o desenho que ele queria na televisão? Eles chegariam em casa e, provavelmente, não haveria desenho na tv, então, a avó ligaria o rádio, na mesma estação de sempre, e tocariam as mesmas músicas... chegaria um momento em que tocaria a "Ave Maria", então, ele sabia que chegava a hora do banho, de jantar e que mamãe estava chegando... Mas de onde ela vinha? Ele nem a havia visto sair... por um momento, esqueceu-se dela e adormeceu. Ao acordar, estavam só ele e a avó, como sempre. Ele queria saber o que viria depois, queria saber como era ser grande, sair sozinho pelas ruas... Será que ele ainda teria medo de dormir no escuro? E o quintal? Como passar por aquele corredor escuro e umido para chegar lá fora, onde o sol aquecia as manhãs e brilhava tão bonito... tão lá em cima! Mas não importava, ele não conseguia olhar para o sol por muito tempo. Nada lhe prendia por muito tempo. Seus pensamentos eram rápidos, suas dúvidas, voláteis: duravam apenas o tempo que qualquer outra coisa levasse para passar diante de seus olhos e se tornasse questão de suma importância pela eternidade dos próximos minutos. Ele era livre e não sabia.
Livre para ficar sentadinho no sofá, com uma mamadeira cheia de leite com achocolatado, assistindo desenhos, até que se lembrasse daquele carrinho que estava parado ali no canto da sala, que logo se transformava numa estrada grande (não que ele soubesse o que era uma estrada, mas isso nunca importou, já que ele era livre). No meio da estrada, havia outro brinquedo e então a estrada era desconstruida. A facilidade de recomeçar, ou de criar algo novo a partir de algo que surge no caminho, ele jamais voltaria a ver ao ser grande, mas isso não era importante para ele naquele momento em que ele era apenas um menino que brincava na sala, esquecido do desenho animado e da mamadeira, abandonada no sofá, ou no chão. Nesse momento, ele já não se lembrava mais de que queria ser grande, nem se lembrava mais, também, da caixinha com a bebida de morango. Ele era apenas um menino livre, que brincava como se sua vida dependesse daquele mundo imaginário que, para ele, era tão grande como ele gostaria de ser e que, dentro de sua lógica exata de criança livre, fazia todo o sentido. Ele era verdadeiramente grande e não sabia.

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