26 setembro 2020

O bom filho à casa torna

Há muitos anos, ele não passava mais por lá. Carregava na memória um ou outro detalhe daquela mobilha velha, que fora tão nova em outros tempos; ele pensava que conhecia cada pedaço daquele lugar. Pensava , também, que jamais voltaria.
Caminhando, divagando, titubeando (por que não?), levou a mão ao bolso e lá estava ela: aquela velha chave, que podia abrir uma porta há muito tempo fechada, quase esquecida. E lá foi ele, enfrentar aquele antigo esconderijo, que esperava, intacto e de braços abertos, por qualquer singela aproximação - como o cão que fita o seu tutor incansavelmente à procura de atenção (ou de um petisco).
A fechadura, trancada e seca, logo reconheceu aquela chave e a porta se abriu. Ele, que não é mais o bobo que fora, entrou, passou por alguns cômodos como se entrasse no apartamento de um estranho, aquele local que lhe pertencia desde sempre, mas que não parecia mais seu. 
Ele mudou e foi preciso tomar posse, novamente, daquilo que já era seu. Pintou imediatamente todas as paredes, rearranjou o leiaute daquela velha mobilha, desconectando das tomadas tudo que não respondia mais ao clique das velhas teclas; mais do que desconectando das tomadas, jogando fora tudo aquilo que não acrescenta mais nada.
Depois da pintura, ele se deparou com o momento de juntar a bagagem que será trazida para o velho novo local; coisas que desde o primeiro momento de suas existências, naquele velho esconderijo deveriam fazer morada, mas por falta de vontade, coragem e iniciativa, vagaram por aí, gorjeando como pequenos soluços, ou, ainda, naquele ambiente ao qual não pertencem, disfarçadas de conselhos de coach.
O bom filho à casa torna, com muitas novas caixas espalhadas pela sala, esperando ansiosas por serem abertas para que seu conteúdo revisto possa ocupar, finalmente, um espaço que é seu e do qual jamais deveria ter se afastado. Por enquanto, é momento de voltar.

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