29 setembro 2007

O Último

O último deve ser vivido como se fosse o primeiro, porque, provavelmente, o último é a epifania, a descoberta final. No último, é preciso olhar cada olhar e sorrir. Escolha caminhar no último, faça novamente aquele caminho que faz sempre, observe as pessoas, sinta a natureza e o vento. No último, sinta o sabor especial da comida e escolha uma boa sobremesa. Converse com os amigos antes, durante e após a refeição. No último, conserte o que estiver quebrado e deixe a casa em ordem: cumpra com todos os compromissos assumidos, surpreenda, ajude. No último, compre aquele CD que há tempos espera por você numa prateleira de um supermercado e, preferencialmente, escute naquele som novo que você demorou tanto para comprar. No último, olhe seu cão, caso tenha um, e experimente a sensação de ser completamente idolatrado. Caso você não tenha um cão, lamente... você perdeu a grande chance de conhecer o puro amor, aquele que não foi contaminado pela nossa pobreza humana, já que os animais estão alguns níveis acima de nós. Sim, os irracionais são sublimes. No último, deixe de lado todo o raciocínio e se deixe apenas sentir. Sinta tudo e sinta todos. Resgate em sua memória todos os perfumes que passaram por seu caminho e tente senti-los sorrindo. Sinta o cheiro daquele produto de limpeza, misturado ao barulho das máquinas e das reformas, sinta as gotas de chuva em seus cabelos, em seu rosto, quando estiver caminhando por escolha própria, a despeito do tempo cinzento. Aliás, no último, enxergue de uma vez a beleza do céu cinza que cobre o mundo e fique feliz por ter na lembrança o céu azul e o calor que não virão no último, já que, o último, para tudo, será demasiadamente tarde. Acima de tudo, mesmo que não dê tempo de fazer nada do que eu já disse, no último, resgate todo aquele amor que você já sentiu na vida e se deixe cobrir por ele. Ame-se no último e ame aos demais. Sofra um pouco pelo que não pôde ser feito, mas se arrependa sinceramente e humildemente de tudo aquilo que deixou de fazer enquanto o sol brilhava rodeado pelo azul. No último, resgate-se, salve-se de tudo aquilo que você sempre achou que o prejudicava, afinal, tudo aquilo que aconteceu de ruim foi responsável por tudo aquilo de bom em que você se transformou. Por último, faça tudo isso, mesmo que você não esteja certo de que o último chegou, aproveite cada minuto enquanto o último tenta lhe alcançar preso numa das filas de um desses congestionamentos por que passamos nos caminhos confusos da vida. No último, e para todo o sempre, cuide-se.