12 janeiro 2007

Apenas aquilo que, a ele, cabe.

Ele acorda cedo e logo salta da cama sem olhar para trás: é preciso atirar o pijama sobra a cama e tomar banho. Há um gosto ruim na boca: gosto de sonho. É preciso lavar o rosto com bastante sabonete, retirar a pomada contra as espinhas - sim, a pele está ficando mais lisa, mas e este cravinho que não sai?? Ele pensa de olhos fechados, a água caindo sobre o rosto e ele ainda parece dormir. Escova, gel dental e lá se vai pelo ralo o sabor da noite dormida. Mas é preciso lavar os cabelos! Ele quase se esqueceu... espuma espuma... Deixá-los crescer novamente? Isso pouparia a chatice de ter que penteá-los e de passar gel. É preciso comprar aquele shampoo que a dermatologista indicou para reduzir a coceira. Cabelos maiores: como será no calor, quando a cabeça coça mais? Chega de banho! Toalha, desodorante, cueca, meias, calça, camiseta...camiseta! Por que a que ele quer nunca está passada esperando-o? Enfim, ele põe outra. Tênis, toalha, apaga a luz...espelho, gel, pente...Seria boa a liberdade dos cachos novamente. Ah, bobagem! Ele passa o gel e se penteia - com um pouco menos de cuidado porque é necessário revoltar-se.
Café. O cheiro já invadia suas narinas desde o banheiro. Ele o toma puro, com pouco açúcar. Sanduíche de pão com margarina, manteiga, ou requeijão: nada de especial pela manhã. Computador, recados, mensagens, comentários, contato com o mundo fora das quatro paredes de casa. Nem sempre há algo interessante para ler e então ele se emburra e desliga o computador e vai escovar os dentes. Perfume! Falta o perfume, que ele passa todos os dias. Sempre o mesmo - já tentou mudar, mas não se reconheceu no outro frasco, no outro cheiro. Enfim, rua! Será que o carro quererá subir a rua hoje? Ele já tem o macete e já sobe no ritmo que consegue. Tranqüilidade, 60 km/h, escuridão. Pouca gente, muitos caminhões.
Estacionamento, crachá, alarme, caminhada, chave, sala, interruptor, armário, garrafa! Ele deve tomar água - dois litros é o que dizem - Ele lava a garrafa e a enche sempre que ela esvazia. O primeiro grande gole após ligar o computador...login...senha... e mail. Algum tempo para redigir dois e mails. Nem sempre ele tem assunto, afinal, os e mails desejam bom dia, às vezes tentam retomar algum assunto pendente, e às vezes eles... Horóscopo! Já chegou o e mail do horóscopo e ele lê. Não bota fé, mas lê porque algumas vezes lá escrevem o que ele quer ler naquele dia. Trabalho, trabalho , trabalho. É trabalhoso lidar com gente e distribuir bom dia quando o dia parece noite e a noite não foi boa por algo que sobrou de ontem. E os pensamentos, longe, onde ele nem pode alcançá-los, coitado. Chegou e mail! Ele sorri e lê. Deixa um pouco de lado o mundo capitalista e entra novamente naquele mundo que é só dele e onde ele é... Às vezes responde, quando lhe cabe esse direito. Às vezes prefere optar pelo silêncio e se desliga de seu mundo porque está pensando justamente nele. Almoça, trabalha, ri. Ri, mas não sorri. Pensa, pensa, pensa. É hora de ir, de voltar pra casa. Despede-se, cobra pelo seu serviço e sai. Volta. Às vezes chove. Muitas vezes está quente e ele brinca com os difusores de ar. Ar. Precisa trocar o cheirinho do carro. Acabou. Chega em casa e assiste televisão. Ele conversa, ri, sorri (mas isso nem sempre se vê), chateia-se, entristece, sorri de novo e decide ir dormir porque cansou de tantas emoções. Banho, água, sabonete, xampu e o pensamento tentando já retomar o sonho da noite anterior, talvez haja um sonho bom - porque é possível também ter um sonho que o faz matar as saudades e sorrir. Beijo de boa noite. Ele se deita. Ele reza... agradece por quase tudo e pede pouco. Os pensamentos voam logo, depois correm, caminham, deslizam lentamente...de repente ele se lembra de um sorriso, mas, em seguida adormece feliz. Ele não sabe o que o espera, então prefere não se preocupar com o que virá e nem pensar em nada mais... sorriso... Ele dormiu.

07 janeiro 2007

De volta à Lagoa Azul.

Nos últimos sete ou oito meses, eu já não sei mais precisar o tempo (e isso também não importa), minha vida tem sido um grande treino de paciência. Eu até me arriscaria a dizer que nunca havia tido minhas capacidades psicológicas e sentimentais postas à prova de maneira tão eficiente em tantos anos de casa. É engraçado perceber que meus limites acabaram sendo mais flexíveis do que eu sequer poderia imaginar e então acho que é verdadeira aquela história de que Deus dá o frio conforme o cobertor: penso que tenho um pouco mais de maturidade e de bom senso para lidar com algumas coisas hoje do que há um ou dois anos, porque em poucos dias sou outro e a cada dia me vejo novo e fazendo coisas inimagináveis.
Na verdade, em épocas passadas, em situações como a atual, eu estaria em parafuso, atirando nos próprios pés e sem sistema de descarga na privada para a quantidade de merda produzida. É passado, graças a Deus e graças a mim que percebi que estava errado a tempo. Neste meio tempo, já me permiti coisas impensáveis, já me permiti não querer e já me permiti a tentativa de apagar a luz e ficar quietinho no meu canto - é claro que houve motivação para esse recolhimento, mas disto eu não tratarei porque ainda não tenho competência para tamanha ousadia - e a verdade é que eu aprendi que não adianta querer fugir e nem querer fazer de conta que as coisas não existem e que são mero produto da minha imaginação. O que tem de ser tem muita força, como diria João no livro que ousei não ler. As horas de recolhimento e da tentativa de preservar um pouco do que eu talvez chamasse de dignidade (Não estar na arena o tempo todo à mercê da fome dos leões) foram pelo ralo porque posso dizer que a vida me arrastou pelos cabelos e me largou diante daquilo que eu tinha planejado fugir desde o momento em que acordara naquele dia. E a curiosidade que tenho desde o nascimento não é em vão. Não sou masoquista, mas eu já estou achando que quero pagar para ver aonde é que a vida me levará com esse joguinho e ao que parece, não será fácil sair dele.

standing calmly at the crossroads

no desire to run

there’s no hurry any more

when all is said and done ((B.Andersson & B. Ulvaeus))

E a sensação de reprise continua, entretanto, quando penso que já vi determinada cena, o final acaba sendo diferente e inesperado. Deliciosamente inesperado. Perigosamente inesperado. Viver é muito perigoso.

03 janeiro 2007

Dos restos do fim

Talvez eu já seja escravo. É incrível perceber que desaprendi muito daquilo que a vida me ensinou num tempo remoto em que em épocas como esta eu estaria já bronzeado e com as carnes salgadas. Parece que ir para o trabalho, camelar, almoçar, voltar para casa, nem sempre enfrentar congestionamentos enormes, parece que é tudo um nada. A sensação de inutilidade é companheira: é preciso viver! Mas como?? Onde está aquela paz que havia quando eu não tinha a real consciência de que estudar era realmente necessário e não algo que toda criança fazia por ser criança? Cadê a coragem de largar os livros num canto e vadiar, ouvir música, dar um rolê, ficar por aí, sem pensar em nada... Passar uma semana em casa sem se preocupar com as horas negativas que deverão ser pagas, aliás, sem pensar também nos carnês e nas contas que estão ansiosas pela autenticação mecânica do banco.
Hoje chove! E que divertido pode ser enfrentar as águas, pensar em mil coisas e brincar de fechar os difusores de ar para que o ar quente possa desembaçar os vidros... Embacei os vidros!
...Faz falta a correria e o desespero. Sou escravo do cansaço e acho que só posso ser feliz estando cansado porque sendo feliz não se sente o cansaço.
E então há aquelas pequenas fugas, pequenas coisas que fazem toda a diferença naquilo que é sempre tão igual. Desde que desisti de fugir de mim, as coisas parecem sempre muito iguais - qualquer faísca se torna uma esperança de um novo alvorecer e a verdade é que as coisas parecem apenas existirem porque queremos assim e, por querer, vemos a luz, mesmo que seja a luz daquele farol que vem contra mim e que vejo pelo vidro embaçado enquanto viajo perdido nas minhas idéias e pensamentos... ah, quanta besteira! Eu nem sei viajar!

"And turning out the light

I must have yawned and

cuddled up for yet another night

and rattling on the roof

I must have heard the sound of rain

the day before you came." ((B.Andersson & B. Ulvaeus))