15 dezembro 2008

O oito (ou a lembrança de um sonho qualquer)

Ele estava pensativo. Tudo fora perfeito, porque, afinal, tudo é perfeito na medida de perfeição que cabe a cada parte do tudo. O mundo, agora, parecia-lhe mais saboroso. (A comida depende do sal que se coloca) Para ele, as coisas ficavam mais claras e calmas a cada dia; já não havia mais o desespero pelo futuro, nebuloso como a própria palavra futuro, que sabe lá Deus o que quer dizer. Há nele alguma ocupação pelo presente, porque ele aprendera que é do presente que se fará o passado que tanto se fará lembrar num determinado momento. Ele então se lembrava de que o tempo passou e foi rápido. Mal houve tempo para se segurar no primeiro ferro de um destes vagões que ocupamos por aí. A inércia, companheira da velocidade em suas peripécias, o fez cair no trem, mas ele soube se levantar e agora já sabia ficar em pé. Ele aprendeu a andar. Porque antes de andar, corre-se, na ilusão de que é a corrida que fará chegar ao destino. Foi quando ele descobriu que só se chega ao destino andando calmamente, sem pressa, sem lamentação. As pedras, ele as deixou por aí, em todos os cantos por onde passou - onde houvesse a chance de deixar um peso, lá ficava. E ele, assim, se fez leve. Sendo leve, pôde voar. Sim! Ele voou e foi alto. Mas não voou daquele jeito que comumente se chama voar. Ele voou além de seus limites, arriscou e foi onde jamais imaginaria ser capaz. Perdeu altitude e pensou em aterrissar. Ele persistiu em seu vôo, mas a médio plano, porque não se pode ir tanto ao céu e nem ficar tão preso à Terra. Ele se equilibrou e pôde pedalar mil bicicletas na corda bamba. Agora, ele sabia voar, e, mesmo se caísse, poderia se levantar e seguir seu caminho por qualquer meio que fosse. Ele então chorou, quando percebeu que o trajeto é curto e que não há tempo para curtir a viagem - sempre haverá quem desça do trem antes de terminar a conversa, antes de contar aquele fato, ou antes que digamos tudo que temos a dizer. Ele chorou. Mas não fez disso sua rotina e nem se deixou abater pelo pranto, que também se faz leve e voa perdido no vento, nesse mesmo vento que carrega as lembranças, as ilusões, os sonhos. Ele perdeu muito. Ele ganhou mais. Mas ele não é perfeito e percebeu no último momento, que não tinha certeza de nada. Foi então que ele sorriu. Ele estava pensativo...